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Segunda-feira, 12 de Maio de 2025

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Eu quero a sorte de um amor intranquilo. Por Sara Goes

Sobre Glauber e Sâmia

Eu quero a sorte de um amor intranquilo. Por Sara Goes
Glauber e Sâmia. Foto: EBC
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Glauber Braga e Sâmia Bomfim construíram, ao longo dos últimos anos, uma relação política e pessoal que chama atenção não apenas pelas causas que defendem, mas pela forma como seguem juntos mesmo diante de um ambiente frequentemente hostil. O cenário político brasileiro é marcado por disputas duras, alianças frágeis, ataques constantes, e é nesse contexto que os dois mantêm um vínculo sustentado em escolhas difíceis, mas deliberadas.

Não é necessário concordar com a decisão de Glauber de iniciar uma greve de fome, nem admirar a ideologia ou o modus operandi do casal, para perceber que existe entre eles uma maneira sólida de partilhar a vida e o enfrentamento público. Trata-se menos de concordância política e mais de compromisso mútuo. Eles formam um tipo de par que não se protege das consequências da luta, enfrentam-nas juntos.

Essa história tem marcos visíveis. Em 2019, ainda antes de oficializarem o relacionamento, Glauber e Sâmia já atuavam em pautas conjuntas dentro da Câmara dos Deputados. Projetos voltados à educação, aos direitos das mulheres, à taxação de grandes fortunas, à soberania nacional, estavam lado a lado, sem atropelo, com articulação clara e postura firme. A sintonia entre eles não era apenas pessoal, era também de método, de leitura política, de disposição para o confronto.

Em setembro de 2024, Glauber foi preso durante uma manifestação na UERJ. Sâmia reagiu sem hesitação, denunciou a prisão como arbitrária, acionou o Supremo Tribunal Federal, levou o caso às redes e à tribuna. Não se afastou nem minimizou. Assumiu o enfrentamento como se a injustiça cometida contra ele dissesse respeito direto a ela também, e dizia.

Logo depois, foi Sâmia quem sofreu ameaças, envolvendo inclusive o filho do casal, Hugo. Glauber respondeu com a mesma firmeza, denunciou publicamente, exigiu providências, mobilizou apoio. A violência política, nesse caso, foi compreendida como ataque não apenas individual, mas ao conjunto do que representam como família, como militantes, como figuras públicas. Eles não se alternam no enfrentamento, atuam em bloco.

Em abril de 2025, Glauber iniciou uma greve de fome como forma de protesto contra o agravamento da fome no Brasil. Foi uma decisão extrema, e foi dele. Sâmia, como sempre, não tentou freá-lo nem dramatizou o gesto. Manteve sua própria linha de atuação, apresentou um projeto de lei para enfrentar estruturalmente a crise alimentar, com propostas para frear a alta de preços e proteger os mais vulneráveis. É assim que eles funcionam, um gesto radical de um lado, uma construção legislativa do outro. Alinhados, mas distintos. Complementares, mas autônomos.

A escolha de Glauber não é banal. É uma decisão com consequências físicas, emocionais, políticas, e que inevitavelmente impacta quem está ao seu redor. Impacta Sâmia. Impacta o filho dos dois. Mas ainda assim, é uma escolha. E escolhas assim não são feitas por quem teme turbulência. Há quem sonhe com amores suaves, lineares, controlados. Outros, como eles, vivem o tipo de amor que explode e sangra, porque tem pressa de viver.

Por isso, vale observar o contraste. Enquanto Sâmia e Glauber enfrentam juntos até as decisões mais difíceis, Michelle Bolsonaro só veio a público defender o marido quando já ensaiava carreira política própria. Em momentos decisivos, Jair preferiu o colo de aliados como Gilson Machado, enquanto Michelle seguia agenda própria. Não é julgamento, é constatação. Nem todo mundo tem vocação para um amor que se arrisca junto. Para alguns, a aliança é só um pódio. Para outros, é trincheira.

Eu, que não tive a sorte de viver um amor como o deles, cresci vendo, em casa, esse mesmo compromisso. Minha avó, Maria de Lourdes Miranda de Albuquerque, teve sete filhos e noras presos, torturados e perseguidos pela ditadura militar. Nunca incentivou diretamente o caminho da militância, mas sempre fez questão de deixar claro: preferia os filhos lutando a vê-los alienados. Quando lhe sugeriram que pedisse ao filho Mário para suavizar sua versão dos fatos para sair da prisão, ela respondeu: “Nesse caso, ele vai mofar, porque eu não vou fazer isso. Se um filho meu for dar uma declaração dessas, eu prefiro morrer.” E quando a amiga retrucou, “Então a senhora é igual aos filhos”, ela corrigiu: “Não sou igual, mas talvez seja parecida.”

Sâmia e Glauber não são os únicos a viverem um amor inquieto, desses que incomodam os que só reconhecem afeto nas juras domésticas. Mas são um dos exemplos mais visíveis de um amor que se constrói no meio da luta, sem blindagem, sem conforto garantido, com risco real. Um amor que não foge da linha de frente.

Talvez por isso tanta gente se irrite com eles. Porque esse tipo de relação não pode ser fabricado, nem forjado. Não é aliança de conveniência, nem palco para narrativa. É amor com opinião, com posicionamento, com consequência. E, como diria Cazuza, não é para qualquer um — é para quem quer mesmo a sorte de um amor intranquilo.

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