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Quarta-feira, 12 de Novembro de 2025

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Quem é dono da arquibancada? Nós. Por Sara Goes

Sobre o vídeo de uma torcedora do Fortaleza

Quem é dono da arquibancada? Nós. Por Sara Goes
Torcedora hostilizou pessoas de camisa preta no jogo entre Flamengo e Fortaleza — Foto: Reprodução
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O vídeo de uma torcedora do Fortaleza expulsando dois “mistos” viralizou e expôs um conflito que vai além do futebol: o Nordeste reivindica o direito de ser protagonista da própria história nos estádios e nas telas.

No domingo, 26 de outubro, uma torcedora do Fortaleza denunciou dois torcedores, pai e filho, que assistiam ao jogo no setor destinado à torcida do Leão. Ambos vestiam roupas neutras e foram identificados como mistos, torcedores que dividem a paixão entre clubes locais e times do eixo Rio–São Paulo. Pouco antes, outro grupo de torcedores mistos havia sido expulso pela polícia depois de ser localizado por um homem da torcida do Fortaleza. Mas foi o vídeo da mulher, gritando e exigindo a retirada do pai e do filho, que viralizou nas redes e transformou o episódio em símbolo de uma disputa muito mais profunda: quem pertence, de fato, ao território simbólico do futebol nordestino.

O caso reacendeu o debate sobre o misto, figura nascida da desigualdade estrutural do futebol brasileiro, moldada pela centralização midiática e econômica no eixo Rio–São Paulo. Por décadas, o torcedor do Nordeste cresceu sob o domínio de transmissões e narrativas que davam protagonismo aos clubes do Sudeste, enquanto os times locais eram tratados como coadjuvantes. A adesão a um clube de fora não era traição, mas reação a uma invisibilidade forçada.

Nos últimos anos, contudo, esse quadro se inverteu. Clubes como o Fortaleza reconfiguraram sua gestão, profissionalizaram suas estruturas e conquistaram resultados expressivos, tornando-se símbolos de afirmação regional e de soberania cultural. A torcida, por sua vez, passou a reivindicar o direito de ser protagonista no próprio estádio. O anti-mistismo, antes visto como intolerância, expressa agora a vontade de ocupar plenamente um espaço historicamente negado.

A reação de parte da torcida do Flamengo, que chegou a ironizar o episódio dizendo que o Fortaleza deveria agradecer por sua presença, apenas reatualiza a velha hierarquia simbólica que o Nordeste vem desafiando. O Castelão, lotado de tricolores, é o retrato dessa virada: ali, o torcedor nordestino não é figurante de um espetáculo alheio, mas autor da própria narrativa. O grito lugar de misto é na visitante não é sobre exclusão, mas sobre pertencimento, sobre o direito de existir em voz alta dentro da própria casa.

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