Compromisso com a informação

Quinta-feira, 24 de Abril de 2025

Notícias/Política

Sérgio Moro e FrenCyber: Me engana que eu gosto! Por Sara Goes

Frente que agrada big tech

Sérgio Moro e FrenCyber: Me engana que eu gosto! Por Sara Goes
Foto: Flickr do Mourão/Montagem Pedro Zambarda/Folha Democrata
IMPRIMIR
Use este espaço apenas para a comunicação de erros nesta postagem
Máximo 600 caracteres.
enviando

Senado instala frente parlamentar sobre defesa cibernética com presença do ex-juiz que teve seu conluio com procuradores revelado por vazamentos digitais; evento reúne militares, conservadores e empresários, mas escancara contradições fundamentais

Generais perfilados ao lado de senadores da extrema direita. Moro, Damares, Esperidião Amin. Parece 2022, em algum gesto de apoio a Bolsonaro, talvez em defesa do “capitão”. Mas não. A foto é de 2025, no lançamento da Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança. Os militares em questão são o general Aquiles Furlan, comandante do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, e o general Ivan Corrêa Filho, que representou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O evento, que durou pouco mais de uma hora, foi um revezamento de discursos de senadores da extrema direita — nomes que fizeram e ainda mantêm seu capital político sustentados por fake news, disparos em massa e redes de desinformação. São os mesmos que, até pouco tempo, gritavam por liberdade de expressão irrestrita e tachavam militares progressistas de “melancia”, verde por fora, vermelho por dentro. Agora, sentam lado a lado com generais para falar de “cibersegurança” e “defesa digital”. Um momento peculiar: os vigilantes da verdade digital são os velhos conhecidos da mentira em série.

A instalação teve como protagonista simbólico o próprio paradoxo que sustenta sua criação: o senador e ex-juiz Sérgio Moro. Famoso por sua atuação na Operação Lava Jato e pela prisão do presidente Lula, Moro agora ressurge como defensor da proteção digital — mesmo após ter sua conduta desmascarada por um vazamento cibernético que revelou conluio com o Ministério Público, parcialidade judicial e manipulação processual.

A ironia não poderia ser mais evidente. O homem que se beneficiou do sigilo para conduzir uma operação judicial politicamente orientada, e que viu sua reputação ruir quando suas mensagens privadas foram expostas ao público, agora se posiciona como guardião da integridade cibernética nacional.

Ao lado de nomes como Damares Alves, Hamilton Mourão, Marcos Pontes e Jorge Seif, Moro integrou a mesa da cerimônia de instalação da frente, que propõe, entre outras iniciativas, a criação de uma Agência Nacional de Defesa Cibernética. O autor da proposta, senador Esperidião Amin (PP-SC), defendeu a frente como um instrumento para "proteger o Brasil de ameaças digitais" e fortalecer a articulação entre Estado e setor privado.

Mas a presença de Moro pairava como um espectro sobre todo o discurso oficial. A frente parlamentar que se pretende guardiã contra vazamentos e espionagem digitais abriga, ironicamente, o personagem central de um dos maiores escândalos revelados por meios cibernéticos da história política recente. Sua participação não reforça a credibilidade da frente — ao contrário, revela sua essência contraditória e seu potencial uso como ferramenta de blindagem política e defesa dos interesses de BigTechs.

Moro não discursou longamente - ainda bem, mas garantiu sua visibilidade ao posar ao lado de generais e executivos do setor de tecnologia. O tom geral do evento foi menos técnico e mais ideológico — uma clara tentativa de formar uma coalizão entre setores conservadores, militares e interesses corporativos, sob o verniz da segurança nacional.

Damares Alves, por exemplo, tratou o tema como uma cruzada moral, como costuma fazer sempre que tem  oportunidade. A ex-ministra já foi responsável por disseminar informações falsas em cartilhas oficiais sobre maconha, por promover uma onda de desinformação sobre supostos casos de exploração sexual em Marajó, e por espalhar como verdade boatos oriundos de fóruns obscuros da deep web, invariavelmente ligados ao abuso infantil. Sua recorrente associação entre política pública e temas sexuais envolvendo crianças deve, no mínimo, acender um sinal de alerta sobre os objetivos simbólicos por trás de sua retórica.

Jorge Seif foi outro destaque do evento. Ao mesmo tempo em que associou crimes cibernéticos a fraudes bancárias via Pix, insinuou a necessidade de criação de um "Ministério da Cibersegurança" — para logo em seguida admitir: "eu não sei. Estamos aqui como soldados em busca da proteção do nosso país". A dubiedade da proposta, vinda justamente de alguém que costuma repetir a ladainha do "inchaço do Estado", não passou despercebida. Mais curioso ainda é o fato de Seif ter citado com entusiasmo a presença de representantes das Big Techs, justamente as mesmas corporações que, desde 2018, vêm sendo apontadas como peças centrais da guerra híbrida que compromete a soberania e a democracia brasileiras. Se há um campo onde o controle popular e a regulação estatal se tornam urgentes, é o digital — mas o discurso da frente parece mirar mais na blindagem de setores específicos do que na real defesa informacional do país.

Marcos Pontes, senador e ex-astronauta cujo nome já constrange pela formalidade kitsch quando lido em voz alta, tentou justificar seu interesse na frente com uma fala genérica sobre soberania, voo, educação e espaço. Tudo pontuado por chavões e metáforas que soaram deslocadas do tema central. Sua intervenção exemplificou bem o tom performático do evento: retórica vaga, apelo à autoridade simbólica e ausência de propostas concretas.

Tabata Amaral, o único ponto fora da curva de extrema direita, parecia estar presente de improviso, como parte de uma cota a fim e dar ares de pluralidade, palavra repetida por Damares Alves. Na sequência, Mourão, por sua vez, evocou o risco de guerra digital entre potências. Mas nenhum deles teve a coragem — ou o interesse — de mencionar o caso Vaza Jato, de maior impacto político de invasão cibernética da política brasileira.

O silêncio é tão revelador quanto o alinhamento ideológico da frente. O que se apresentou no Senado não foi um pacto técnico pelo fortalecimento da segurança cibernética brasileira, mas sim a tentativa de construir um aparato institucional de controle informacional, com potencial uso político-eleitoral, travestido de interesse público.

Ao fim da cerimônia, foi anunciado um convênio com a SATC de Criciúma (SC) para formação de especialistas na área. Uma medida relevante, mas que se perde diante da composição da frente — marcada por figuras que, nos últimos anos, atacaram a liberdade de imprensa, criminalizaram opositores e instrumentalizaram o Judiciário como ferramenta política.

Se o Brasil precisa, de fato, fortalecer sua soberania digital, essa não parece ser a frente certa para liderar esse processo. O que se viu foi um teatro — e no centro do palco o agora tímido, Sérgio Moro, reciclado como paladino da cibersegurança, mas ainda sem ter respondido publicamente por seus próprios vazamentos.

Comentários:

Veja também

Crie sua conta e confira as vantagens do Portal

Você pode ler matérias exclusivas, anunciar classificados e muito mais!