Por Lia Sérgia Marcondes, de Portugal.
Enquanto famílias recebem ordem de despejo por não conseguir pagar uma renda que sobe mais de 300€ num ano, e milhares de trabalhadores contam moedas no fim do mês para decidir se compram gás ou comida. A extrema-direita está em campanha. Todos os dias!
Sim, o Chega cresceu. E cresceu porque aprendeu que o ódio traz engajamento fácil e rápido nas redes, rende a eles cliques e votos. Cresceu porque transformou a frustração popular em combustível político, canalizando o cansaço real das pessoas contra os alvos errados. Cresceu porque, enquanto a esquerda se esforçava para discutir saúde pública, habitação e direitos laborais com seriedade, o Chega oferecia culpados em vez de soluções.
E foi assim, apontando o dedo ao imigrante que limpa o chão do hospital, que serve o almoço na escola, ou que cuida dos nossos idosos, que eles ganharam terreno. Eles cresceram, porque Portugal é um país exausto. E nesta exaustão, há quem confunda gritaria com firmeza e populismo com coragem.
O Chega não é muito diferente dos outros partidos de extrema-direita ao redor do mundo. Eles não propõem, não resolvem, não governam. Editam vídeos, distorcem dados e grita seus discursos de ódio contra os mais vulneráveis a plenos pulmões, mas silenciam quando um banco lucra bilhões à custa de uma crise. E eles gritam porque precisam esconder que, quando o assunto é solução real, eles não têm nenhuma.
E do lado de cá, dos imigrantes? A gente ouve os gritos, claro. Mas o que conhecemos mesmo é o silêncio. O silêncio de quem deixou tudo pra tentar uma vida com algum sentido e agora trabalha com contrato a prazo há dez anos. O silêncio de quem cuida de um pai doente à distância, sem poder estar perto, sem conseguir ajudar. O silêncio de quem faz contas no supermercado com o salário inteiro na cabeça e mesmo assim tem de devolver aquele vinhozinho extra para a prateleira. O silêncio de quem já cortou tudo – o lazer, a roupa, o descanso e a saúde mental – e ainda assim não chega ao fim do mês. Esse silêncio ninguém debate. Esse silêncio não dá voto.
A extrema-direita chegou onde chegou também porque parte da esquerda se afastou do chão. Do mercado, do centro de saúde, da paragem de autocarro. Ficou na bolha da política institucional enquanto o povo levava com os cortes, os despejos e a ansiedade. E agora, quem vive no aperto está a ser enganado por quem nunca vai resolver nada. Porque quem vive de mentir não governa. Manipula.
André Ventura, por exemplo, foi apanhado mais de cem vezes a mentir desde 2019. Não é exagero. É a checagem de fatos do jornal O Polígrafo.
Ele disse que os estrangeiros recebiam mais apoios do que portugueses. Mentira. Disse que 20% dos presos em Portugal eram imigrantes. Adivinha? Mentira de novo. Também falou que são os imigrantes que cometem mais crimes. E veja só que surpresa: outra mentira. Se fosse jogador de futebol, estaria suspenso no “antidoping da desinformação”.
E não é só ele. O partido que diz defender os “valores das famílias” tem no currículo um acusado de prostituição de menores, outro apanhado a roubar malas em aeroportos e outro condenado por difamação. É essa a nova política que Portugal precisa? Penso que não. É só a podridão antiga com filtro novo e hashtag patriótica.
E a esquerda? Vai se calar? Continuar a falar só para si mesma? Ser técnica, educada e tímida enquanto eles gritam e mentem? Ou será que vai finalmente se coçar e reaprender a falar com o povo? Reaprender a fazer política com emoção, com verdade, com raiva justa. Porque política é vida. E a vida não se resume a planilhas nem a posts no Instagram.
As pautas certas já estão nas nossas mãos!
Querem falar de habitação? A esquerda defende renda acessível. A extrema-direita defende o “livre mercado” (o mesmo que despeja famílias e permite rendas abusivas). Querem falar de saúde? A esquerda defende um SNS público, gratuito e com dignidade. Querem falar de trabalho? Defendemos contrato justo, salário digno, horário humano.
Dizem que falta amor a Portugal. Querem patriotismo? A gente também quer. Mas o nosso amor não cabe num slogan. Cabe numa escola pública bem equipada, com professores suficientes e bem remunerados. Cabe num hospital com médicos e enfermeiros que não estejam esgotados. Cabe num bairro onde a renda não leve mais da metade do salário todos os meses.
Eles têm memes. Nós temos memória. Eles têm ódio. Nós temos propósito. Se a extrema-direita nunca sai de campanha, então que saiba: nós também não sairemos.
Eles podem continuar com os seus gritos odiosos. Mas aqui vai mais uma verdade que eles preferem ignorar: a gente não tem medo do barulho. Porque a nossa campanha é outra. É pela dignidade. Pela justiça. Pelo direito de viver sem medo. E sem precisar agradecer por migalhas.
Até porque, quem vive a realidade não tem tempo para mentira. Mas tem todo o direito de falar bem alto...
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